E
xistem muitas maneiras pelas quais os fãs têm demonstrado seu apoio e apreço às obras da cultura pop. Talvez uma das mais explicitas e populares nos dias atuais seja o cosplay. Contração das palavras em inglês costume (traje/fantasia) e play / roleplay (brincadeira, interpretação), o cosplay é um hobby
que consiste em fantasiar-se de personagens oriundos, em geral, de
quadrinhos, games e desenhos animados japoneses. A prática do cosplay
também engloba personagens pertencentes ao vasto universo do
entretenimento, como filmes, séries de TV, livros e animações de outros
países. Em menor escala há aqueles que caracterizam-se como figuras
históricas ou de criações originais.
Uma das principais características do cosplay é que o praticante além de
criar os trajes, também interpreta o personagem caracterizado,
reproduzindo os traços de personalidade como postura, falas e poses
típicas. O hobby costuma ser praticado em eventos que reúnem fãs desse
universo, como convenções de anime e games.
Aos olhares desavisados a brincadeira pode parecer um tanto excêntrica,
muitas vezes retratada de forma indevida e repleta de esteriótipos sobre
o perfil daqueles que a praticam. No entanto basta conhecer esse
universo mais a fundo para perceber que seus praticantes revelam-se
pessoas comuns, que tem um dia-a-dia tão normal quanto qualquer outro. O
que os diferencia no entanto, é sua capacidade de trazer para a
realidade momentos e figuras do mundo da fantasia e ficção que causam
tanto fascínio entre o público. Longe de serem reclusos e isolados, os
adeptos do cosplay mostram-se, em geral, altamente sociáveis; ao
contrário de uma atividade meramente escapista, a prática do cosplay
exige preceitos sólidos como organização, capacidade de superar
desafios, explorar a criatividade e o potencial artístico nas
caracterizações.
Origem
A
história do cosplay está intimamente ligada à história das convenções
de ficção científica nos Estados Unidos. O primeiro exemplo moderno
dessa prática ocorreu em 1939, durante a 1ª World Science Fiction
Convention, ou Worldcon, em New York, quando um jovem de 22 anos chamado Forrest J. Ackerman,
e sua amiga Myrtle R. Douglas compareceram ao evento como os únicos
fantasiados entre um público de 185 pessoas. Ackerman, que anos mais
tarde se tornaria um dos nomes mais influentes no campo da ficção
científica, usava um rústico traje de piloto espacial o qual chamou de
"futuricostume", e Myrtle estava caracterizada com um vestido inspirado
no filme clássico de 1936 "Things to Come", baseado na obra de H.G.
Wells. Ambos causaram agitação entre o público, resultando em um clima
de estreitamento entre a ficção e a realidade que mudou pra sempre a
cara das convenções do gênero. As fantasias da dupla, confeccionadas por
Myrtle, ou "Morojo", como era conhecida, fizeram tanto sucesso
que no ano seguinte dezenas de fãs compareceram à convenção em trajes de
ficção científica.
A prática cresceu ao longo do tempo, levando ao surgimento dos masquerades,
concursos que não se limitavam a exibir as fantasias, mas permitiam aos
participantes realizar apresentações criativas e que entretiam o
público.O hobby de fãs fantasiados ficou conhecido pelo termo costuming ou fan costuming,
e esteve confinado às convenções de ficção científica, essencialmente
na América do Norte, por várias décadas. Tudo mudou em 1984 quando Nobuyuki Takahashi, de um estúdio japonês chamado Studio Hard, visitou a Worldcon daquele ano, em Los Angeles. Ele ficou tão impressionado com o masquerade apresentado
que publicou sobre isso frequentemente em revistas japonesas de ficção
científica, criando e difundindo um novo termo para definir o que havia
presenciado: Cosplay. Nos anos seguintes já era possível
encontrar dezenas de fãs fantasiados nas convenções japonesas, e a
prática de se caracterizar como personagens de anime e mangás tornou-se
um verdadeiro fenômeno no país. Tal sucesso fez surgir lojas,
publicações e profissionais especializados no hobby, criando uma
verdadeira indústria do cosplay no Japão.
Nobuyuki Takahashi criou e difundiu o termo cosplay
Na
década de 90, com a explosão do anime pelo mundo, o cosplay foi
reintroduzido nos Estados Unidos, dessa vez em uma escala muito maior. O
termo popularizou-se rapidamente através das dezenas de convenções de
anime que surgiram no país, levando muitos dos novos praticantes - ou
"cosplayers", a acreditarem errôneamente que o hobby havia sido criado
no Japão, quando na verdade os EUA já possuiam uma tradição de quase
meio século. Devido a isso, é muito comum nos Estados Unidos o termo
cosplay ser usado para se referir exclusivamente às caracterizações de
animes, games ou mangas japoneses, enquanto o termo mais tradicional
"costuming" é usado em relação às fantasias de sci-fi ou de obras
ocidentais.
Apesar do Japão ter importado essa subcultura dos EUA , existem
algumas diferenças na forma que o hobby é praticado nos dois países. Os
norte-americanos ainda hoje seguem o modelo criado no Worldcon, onde os
cosplayers criam suas próprias fantasias e competem em convenções de
fãs. Além disso, fantasias originais são bem-vindas e incentivadas. No
Japão o cosplay envolve caracterizar-se como um personagem
pré-existente, mesmo que a origem não seja de anime ou mangá. Desse
modo, o foco é parecer o mais fiel possível. Como se trata
essencialmente de reproduzir com fidelidade um determinado personagem,
não há nenhuma ênfase na criação de fantasias originais ou que os trajes
sejam confeccionados pelos cosplayers. Também vale citar que o Japão
não possui os mesmos tipos de competições que os norte-americanos, e a
principal atividade relacionada ao cosplay nipônico é reunir-se em
grupos e fazer sessões de fotos. Por fim, o cosplay é um hobby praticado
predominantemente por jovens mulheres no Japão, enquanto nos EUA sua
prática é ampla em ambos os sexos e em diversas idades.
Forrest J. Ackerman, o
pioneiro de 1939, consagrou-se como um renomado editor de publicações
de ficção científica e se tornou um lendário colecionador de itens
relacionados, além de ser o criador da personagem de quadrinhos Vampirella. Ackerman também foi agente literário de Isaac Asimov, e serviu de inspiração para nomes como Steven Spielberg, Stephen King e George Lucas. Faleceu no dia 4 de dezembro de 2008, aos 92 anos, deixando um legado inestimável para o mundo da ficção científica, terror clássico, fantasia e toda a cultura que surgiu desse universo, como o cosplay. Foi extremamente influente não somente na origem, organização e no
crescimento do movimento de fãs, mas também desempenhou um papel fundamental no processo de aceitação e assimilação pelo grande
público daquilo que denominou como "sci-fi", consagrando a ficção científica como forma de arte respeitada, seja na literatura,
filmes e outras mídias.
Cosplay no Brasil
Embora
existam relatos da presença de fãs fantasiados em convenções de Jornada
nas Estrelas já em meados da década de 80, e posteriormente em
encontros de jogadores de RPG e fãs de animes em 1994, acredita-se que o
cosplay, como um hobby, chegou ao Brasil por volta de 1996, junto com a
primeira convenção de animes do país, o Mangacon. Realizado na
cidade de São Paulo pela ABRADEMI - Associação Brasileira de Desenhistas
de Mangá e Ilustrações, o evento é considerado o marco inicial da
difusão do cosplay no Brasil, sendo realizado em um período de
redescobrimento dos animes na televisão brasileira. Ao longo dos anos a
prática do cosplay cresceu de forma exponencial, espalhando-se por todas
as regiões do país.
A forma que o cosplay é praticado no Brasil caracteriza-se por uma
mistura do modelo americano e japonês. O conceito norte-americano do masquerade
foi importado e adaptado tornando-se o tradicional concurso de cosplay
das convenções de anime brasileiras. De influência japonesa, podemos
citar a ênfase na caracterização de personagens pré-existentes e o foco
na busca pela fidelidade, além da predominância de fantasias inspiradas
em animes, mangas e games japoneses.
Atualmente existem milhares de praticantes espalhados pelo país, e os
maiores eventos que reúnem fãs do hobby chegam a alcançar um público de
mais de 40 mil pessoas.
Referências:
- Dr. John L. Flynn - Costume Fandom: All Dressed Up with Some Place to Go! - Costuming for Fun and Fandom. Starlog June 1989: 53-56.
- Arquivo Cosplay Brasil
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